quinta-feira, 4 de setembro de 2008

EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porca, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente suja,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridícula, absurda,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotescoa, mesquinha, submissa e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calada,
Que quando não tenho calado,
tenho sido mais ridícula ainda;
Eu, que tenho sido cômico aos coleguinhas do trabalho,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu,
me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado,
mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência,
mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse
que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farta de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errônea nesta terra?

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