terça-feira, 18 de janeiro de 2011

NEM TUDO SE PODE VER, OUVIR OU DIZER





 Muitas vezes temos o privilégio de escutar os sons mais sutis. 
E outras tantas vezes não sabemos ouvir o silêncio.
Não dê ouvidos ao que não interessa. 
 Egos inflados estão em toda a parte e a luta contra eles não leva a nada. 
Evitar a luta de prestígio é um bem que fazemos a nós e aos outros.
Para viver, nem tudo nos podemos ver, escutar ou dizer. 
Isto é representado desde a antiguidade, pelo três macacos da sabedoria. 
Cada um cobre uma parte diferente do rosto com as mãos. 
O primeiro cobre os olhos, o segundo as orelhas e o terceiro a boca. 
A representação e originária da China. Foi introduzida no Japão, no século VIII, por um monge budista. 
A máxima que ela implica é “não ver, não ouvir e não dizer nada de mau”. 
Foi adotada por Ghandi, que levava sempre consigo os três macaquinhos, o cego, o surdo e o mudo – Mizaru, Kikazaro e Iwazaru.
Eles ensinam a não enxergar tudo o que vemos, a não escutar tudo o que ouvimos e não dizer tudo o que sabemos. 
Noutras palavras, ensinam a selecionar e a conter-se. 
Isso é decisivo para uma atitude construtiva, mas não é fácil. 
Somos impelidos a focalizar o que nos prejudica – impelidos por um gozo masoquista ao qual temos de nos opor continuamente. 
Só a consciência disso permite não sair do caminho em que a vida desabrocha.
Seleção e contenção tornam a existência mais fácil. 
Desde que não seja um efeito da repressão, como na educação tradicional, e sim do desejo do sujeito – um desejo vital de se opor às forças do inconsciente que podem nos fazer mal. 
Isso implica a humildade de aceitar que o inconsciente e nós não somos donos de nós mesmos.
A idéia não é nova. Data da descoberta da psicanálise por Freud, no fim do século XIX, mas continua a ser ignorada porque é difícil nos livrarmos do ego. Sobretudo numa sociedade como a nossa, que tanto valoriza, e que não condena a vaidade, a prepotência e a arrogância. 
Pelo contrário, estimula-as a se perpetuar.
NEM TUDO SE PODE VER, OUVIR OU DIZER.





[adaptado >> MILAN, Betty. Nem tudo se pode ver, ouvir ou dizer. Editora Abril. Revista Veja, edição 2199, ano 44, nº2, 12.01.2011, pág. 92. São Paulo - SP]

Nenhum comentário: